segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

  Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
    É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
    Crescem sem pedir licença à vida.
    Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância.
    Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente.
    Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
    Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
    Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
    A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça...
    Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos.
    Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração.
    Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
    E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
    Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam.
    Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos.
    Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
    Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
    Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
    Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.
    Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
   
No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
    Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
    Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
    Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes".
    Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
    E que a conquistem do modo mais completo possível.
    O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
    O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
    Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
    Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
    Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.

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